sexta-feira, 6 de maio de 2011

Inútil e intacto, é o mundo deserto
Não ilude nem pára, não tem nada por perto,
Imbecil, imundo, inventa a negação
Identifica e apaga, não repõe, é ladrão.
E vagueia, insulta, não dispensa a intriga
E no meio, enterrado, tem mais olhos que barriga,
Nós, ainda limitados, caímos no chão
Porque hoje somos classes, e não temos coração.
Andamos, corremos, só paramos para acordar
Despertamos, e vemos, não há nada para ganhar,
Então rimos, inocentes, continuamos na selecção
Seleccionar o mais inteligente, e que não saiba dizer não.
Resumimos, em papéis, o nada que somos
Continuamos, ainda, mas não seremos nada senão o que já fomos,
Depois ganhamos, mais papeis, com mais cursos de verão
Acabamos, e compreendemos, continuamos sem tostão.

TeresaRafael

segunda-feira, 25 de abril de 2011

quinta-feira, 21 de abril de 2011

terça-feira, 11 de maio de 2010

Varanda

Os anos passaram por mim como se eu dormisse. As horas já não duram, e por muito que queira o tempo não pára. Sinto-me terminado, encostado, e quase sozinho.


Conto-vos já a controvérsia da minha vida, enquanto enrolo o que me mantém acordado, sem esquecer que me deixa viver o pouco que quero.

Eu fui casado, fui pai, fui amigo. Hoje não. Por mais tórrida que pareça a história, nada tem a ver com a minha família, digo eu, um velho e desprezível homem, que já o foi. Hoje, estou quase sozinho, quase acordado, quase que dormente. Digo quase, porque o que me resta é o que não me larga, e que não largando, não o quero.

Se pensam que a intriga durará com mistérios, acção, ou romance, terminem a vossa viagem, acordem, e procurem um teatro que vos dê satisfação, doravante, eu fico aqui, encostado à parede, fazendo o que me resta fazer todo o dia, olhar. Eu, velho de mim, só me limito a correr enquanto fecho os olhos, e a parar quando os abro, e assim, observo o que mais ninguém observa daqui, da minha varanda.

Enquanto a lua deixa de ser cheia, eu vou deixando a rotina da aldeia entrar aqui, fazendo com que eu tenha tantas rotinas como eu imaginava em novo. Ainda o dia se esconde da noite, e a padaria reluz da pequena janela que encobre o Sr. Viriato. A manhã ainda não começa para muitos, mas Viriato já se ausenta de casa, e lembra o som do pão a estalar, dos dias e anos que ali se prendeu. Viriato ainda tem família, não tão juvenil e descomplexada como a que já tive outrora, mas apática e inconstante, hoje e aqui. Acorda todas as madrugadas e vive no pão as aventuras que tanto deseja. Delas, armazena os trocos no bolso, conta-os durante o dia quando já ninguém o procura, e divide em partes iguais sem deixar uma única parte para ele. À noite, como todas as noites que o observo, deixa cada parte à porta de cada irmão, onde Viriato consola a mágoa da inércia que a aldeia lhe dá aos dias.

Voltando à manhã que ainda se esconde, perto da padaria, não muito longe da praia, a pobreza acorda cedo o Simão. Enquanto sua mãe percorre a Europa na cama, e a doença se desvanece sobre suas palavras, Simão habituado à rotina que a mãe não lhe quis dar, envolve a angústia nas duas rodas da bicicleta, e agita-a para largar ali a de ontem, idêntica à de todos os dias. Simão “passeia” na aldeia antes do sol nascer, e faz chegar o jornal a cada porta (tirando a minha, que faço questão de não ler o que todos acham ser notícia). Pobre Simão, que tudo faz para ignorar os dias escassos da mãe.

Enquanto o sol nasce, o porto deixa entrar os humanos provocados pela fome, ansiados pelo que lhes tomam. Eles, formigas resistentes a todas as barreiras, e sensíveis ao sol, tomam caminhos circulares, complicados, e anormais. Porém, não me parece motivo para me levantar e rumar até eles, nem que fosse para lhes dar um pedaço de pão, e vê-los reduzir a fome.

Já passaram algumas horas e eu mergulho no mar com os olhos, reflicto no céu as histórias da minha aldeia, enquanto busco na terra as palavras.

O dia escolhe outras personagens. A dualidade entre a drogaria e a oficina é tão constante como esta minha estadia na varanda. São duas horas e meia da tarde e Pedro empresta aos carros a sua atenção, enquanto pensa em Inês, a princesa que segura os seus dias, a dedicada esposa que consola as suas ideias na igreja à mesma hora. E é assim, enquanto Pedro esgota energias que não tem na oficina para ver viver o seu reino em tão modesta casa, em tão bela mulher, Inês refugia-se na igreja. Porém, os meus olhos já cansados de lidar com o humilde trabalho de Pedro, viajam até ao outro lado da aldeia. Na drogaria, alcanço Luís, concentrado à porta, como quem espera todos os dias o mesmo. E de facto, espera o que eu observo todos os dias, tal como Pedro pensa observar a pessoa em quem deposita a vida, Inês. A Igreja, onde ela deixa suas ideias e quem sabe não só, reside na drogaria de Luís, o servidor de muitas fiéis mulheres da terra, mulheres que confidenciam em si os problemas mais íntimos que uma pessoa do sexo feminino pode envolver no ventre. Enquanto o prazeroso adultério invade a drogaria, Pedro impede a consciência de estar em harmonia com a verdade. Mas, os meus olhos não.

Há muitas outras história que eu vos poderia contar… o homicídio do Samuel omitido num acidente caseiro, o suicídio da Lúcia que morreu sem querer, ou até o nascimento milagroso de João… mas de que adiantaria? Vocês próprios conhecem histórias iguais! A verdade é que vocês vêm o mesmo que eu, aqui sentado na minha varanda, mas fingem que não é nada convosco. Não se levantam para ajudar… a fome, o adultério, a doença ou a pobreza, tal como eu não me levantei para dizer ao Pedro onde é a igreja da Inês, ou para dar um pedaço de pão aos pobres do porto. Mas eu só não me levantei porque estou preso a uma cadeira de rodas, e vocês?



Teresa Rafael

sexta-feira, 7 de maio de 2010

terça-feira, 13 de abril de 2010

domingo, 21 de março de 2010

sábado, 20 de março de 2010

   Bom dia.
   Peguei na caixa que me pediste para trazer, mas não me coube no bolso… desculpa. Porém, trouxe palavras do outro dia que saltei ao ignorar Cesário, no verde que ainda permanecia na minha biblioteca. Não foi propositado, mas embora tenha escoltado cada letra, e criado com elas o meu dicionário, empreguei-as na fachada da janela, e fingi que nada daquilo me agradara.
   Por lá, o relógio pestanejava as duas horas frescas.
   Foi então que nessa amarga noite palpitavam-me os olhos, e parei de ignorar as letras. Elas viviam-me e eu vivia-as. Podiam até ser amargas, dependentes da minha caneta, ou então, sujeitas à minha disposição, mas a verdade é que elas viviam, e eu estava logo a seguir.
   Inesperadamente, levantei-me do chão, e corri à varanda. Enchi o cesto que trouxera de letras, sentei-me no perigo da varanda, como se fosse impossível escorregar, e fechei as minhas duas janelas esperando que isto me fizesse sonhar. Mas não. Abri novamente os olhos, e olhando para baixo, constatei que o chão estava de vez menos próximo. Facilmente cheguei à conclusão que não podia deixar esta oportunidade passar, por isso, com o cesto na mão, e as letras envolvidas em cetim, alberguei-as e, passo a passo, fui recolhendo aquilo a que chamam estrelas, e substitui-as pelas letras, esperando assim formar não as palavras que desejava, mas as palavras que pudessem, surgir sem previamente as ter que formar.
   Notei que lá em baixo, perto de casa, ressaltava o alvoroço. Pensei que se olhassem para cima, aquilo eventualmente passasse. Então, levei a mão ao bolso, procurei algo que me socorresse naquele momento, e retirei uma caneta. Pensei em escrever naquele pano negro, mas lembrei-me que não serviria de nada. Nesta situação de inércia, surgiu-me um acto involuntário e imediato, ao que peguei na caneta, com as duas mãos, e bati com toda a força na primeira palavra que se formara, sem ter notado… “sino”. Foi então que se ouviu um som incapaz de ser descrito, e todos olharam, nostálgicos.
   Aproveitei o meu palco, e disse, sem temer quaisquer consequências, o que precisava ser dito. Cesário, que me guiara até então, olhava sem espanto, enviando-me num balão um lápis. Sem esperar, agarrei-o, e pintei-me de Picasso.
   Desta forma aprendi que quanto mais pintava mais me aproximava das nuvens, deixando de alcançar o chão de todos os seus pontos finais.
   No fim, onde nem sequer eu existia, agarrei-me ao cesto, e desci velozmente. Estava tudo normal, principalmente na minha varanda. O relógio… esse parava no sítio onde queria.
   Afinal tudo não passara dum sonho, e tu nem sequer me pediste a caixa, como querias que ela coubesse no meu bolso?
  



 Hoje revirei o quarto por inteiro, e soube-me a canela. Salivei os apóstrofes que não se ouviam, e calquei uma vírgula perdida. Desenhei na parede um som que veio do sótão, sei lá eu porquê, e no minuto seguinte tinha já desaparecido. Bloqueei a janela por conseguinte, e alertei o gato para que não miasse. Apetecia-me uns segundos repletos de solidão e silêncio no chão rico em cera para madeira. Flutuei por entre as paredes do quarto e fechei os olhos para que aqueles segundos me parecessem mais longos e intensos. Desejei tanto que eles permanecessem ali por mais horas, que o relógio parou ali sem ponteiro.

   Com as mãos nos joelhos, inquietei-me e raspei na parede o cabelo. Centrei-me numa única imagem a preto e branco, e tentei torná-la colorida, mas em vão. Queria de qualquer jeito avisar-me de que o tempo terminara, mas eu continuava ali inocente e quieta, feito planta num vaso. Nuns minutos sentia-me lótus, noutros instantes achava-me rosa, com espinhos a oferecer a quem me quisesse tocar. Foi então que devido à variedade de sentimentos que guardava desde o inicio no bolso da blusa, despertei daquela misteriosa clave de sol e duma arte de sonhar.
   Terminou. Abri os olhos e o relógio contava as dezasseis da tarde.